As apostas online custam vidas e bilhões: Frente Parlamentar lança dossiê inédito sobre impactos das bets na saúde mental

A Frente Parlamentar Mista pela Promoção da Saúde Mental (FPSM), em parceria com o IEPS e a Umane, realizou, no dia 2 de dezembro, o lançamento oficial do dossiê “A Saúde dos Brasileiros em Jogo” durante a mesa “A maré antirreformista que vem do Congresso. Análises à luz dos 24 anos da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira”, no 14º Congresso da Abrasco. O documento, que reúne dados inéditos sobre os impactos sanitários, sociais e econômicos das apostas online no país, foi apresentado pelo secretário-executivo da FPSM, Filipe Asth, e integra a estratégia da Frente para qualificar o debate público e legislativo sobre o tema, convocando um olhar antimanicomial também para os problemas contemporâneos.

A iniciativa surge em um momento de crescimento acelerado do setor. Entre julho de 2024 e julho de 2025, a arrecadação das apostas saltou de R$ 8 milhões para R$ 928 milhões, um aumento superior a 11.000% em menos de um ano. Desde a legalização em 2018 e a regulamentação em 2023, as bets vêm acumulando lucros bilionários enquanto os custos recaem sobre o sistema público de saúde, as famílias e a vida da população.

A explosão das apostas online no Brasil já produz efeitos diretos no Sistema Único de Saúde (SUS) e impõe ao país um desafio sanitário ainda invisibilizado pela regulação atual. O dossiê reúne dados, análises e propostas de políticas públicas para conter os danos provocados pelo jogo problemático. O documento marca um divisor de águas na discussão legislativa sobre as bets.

Um problema de saúde pública: RAPS sobrecarregada e sem diretrizes específicas

O dossiê mostra que o transtorno do jogo já chegou aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que relatam não ter preparo nem formação específica para lidar com essa nova demanda. Estudos recentes, como o terceiro LENAD, confirmam que casos graves de dependência de apostas vêm sendo acolhidos na RAPS de maneira improvisada, sem políticas estruturadas.

Enquanto isso, a distribuição dos recursos previstos na lei segue sem explicação. Apenas 1% da arrecadação das bets vai para o Ministério da Saúde, enquanto o Ministério do Esporte recebe 26% e o do Turismo fica com 36%. Perguntas feitas pela Frente Parlamentar ao Ministério da Fazenda, via requerimento de informação, não foram respondidas de forma satisfatória.

“O SUS, historicamente subfinanciado, está absorvendo praticamente sozinho os impactos das apostas online”, aponta o documento.

Custos bilionários: prejuízos de pelo menos R$ 30 bilhões ao ano

O dossiê estima que os danos das apostas à saúde e à vida da população gerem pelo menos R$ 30 bilhões ao ano, valor muito superior aos R$ 6 bilhões arrecadados pelo setor em 2025. Entre os impactos calculados:

  • R$ 17 bilhões relacionados ao suicídio;
  • R$ 10 bilhões devido à perda de qualidade de vida associada à depressão;
  • R$ 3 bilhões em custos diretos de tratamento.

Além disso, os efeitos extrapolam o campo da saúde: endividamento, perda de emprego, ruptura familiar, violência doméstica e até aprisionamento compõem um ciclo crescente de vulnerabilidade.

Enquanto isso, as plataformas de apostas lucram cerca de R$ 17 bilhões por ano e geram apenas 1.144 empregos formais, desmontando o argumento de que o setor seria importante para a economia nacional.

Da invisibilidade ao adoecimento: famílias e municípios no limite

Durante o lançamento, gestoras municipais relataram casos de suicídio em jovens vinculados diretamente ao uso problemático de apostas digitais. Pesquisadores também destacaram o impacto desigual sobre mulheres, que assumem sozinhas a carga do cuidado aos familiares adoecidos, um processo que reforça desigualdades de gênero e raça.
Os participantes ressaltaram ainda que o adoecimento pelo jogo é muitas vezes tratado como um comportamento individual, quando na verdade se trata de um problema social produzido por um mercado agressivo, altamente publicitário e praticamente sem limites.

Um debate que ultrapassa a técnica: é sobre o país que queremos construir

Para a Frente Parlamentar, o enfrentamento às apostas online não é apenas uma pauta legislativa, mas um debate civilizatório. Trata-se de proteger a saúde mental da população brasileira, combater um mercado que lucra com o sofrimento e construir políticas públicas coerentes com o princípio do cuidado em liberdade.

“Hoje, as apostas são tratadas como um produto comum. Mas não são. São produtos de alto impacto sanitário, que exigem uma regulação comprometida com a vida e não com o mercado”, reforça o dossiê.

Com o lançamento do dossiê, a Frente Parlamentar dá um passo decisivo para transformar evidências em ação política. Agora, congressistas, pesquisadores, gestores públicos e sociedade civil têm em mãos um instrumento robusto para avançar na construção de respostas que enfrentem o problema em sua dimensão real: como uma crise de saúde pública, econômica e social que ameaça vidas e adoece o país.

Confira aqui o dossiê: A Saúde dos brasileiros em jogo.