Contribuir para a pesquisa e a qualificação das políticas públicas, ampliando as ações de fiscalização das Comunidades Terapêuticas e garantindo a transparência do orçamento público. Para isso, a Frente Parlamentar Mista de Promoção à Saúde Mental (FPSM) disponibilizou documentos públicos que foram entregues pelo Poder Executivo em resposta aos Requerimentos de Informação nº 35/2023 e nº 2559/2023, que são referentes ao período de 2017 a 2023. Foi realizada uma sistematização das informações contidas nos arquivos recebidos a fim de facilitar o acesso e a compreensão dos diferentes tipos de documentos.

Estamos disponibilizando documentos e informações inéditas para a sociedade civil pelo período a que se referem e a partir de fontes primárias e oficiais do Governo brasileiro. Para atualizar a Plataforma com dados de 2023, a Frente Parlamentar solicitou novo Requerimento de Informações ao Ministério do Desenvolvimento Social. Na resposta, o Ministério afirmou que o tema é de competência do Ministério da Saúde, além de comunicar que em 2023 não houve contratação das entidades de acolhimento por meio do Governo Federal.

A análise dos documentos recebidos foi realizada com o suporte de métodos de Linguística Computacional e Processamento de Linguagem Natural. Para sistematizar as informações contidas nos documentos, os arquivos – recebidos em formato pdf, muitos deles escaneados e lidos como imagem – foram convertidos em texto para leitura em linguagem Python. Em seguida, foi realizado pré-processamento e limpeza dos dados para permitir a aplicação do método word embeddings. Esse algoritmo possibilitou tanto identificar a estrutura dos documentos, que foram caracterizados por tipos de instrumentos de gestão (contratos, termos de fomento/colaboração e convênios), quanto organizar as informações neles contidas.  Confira a metodologia completa aqui.

Não foi possível aplicar o mesmo método para os documentos referentes aos projetos terapêuticos, pois eles diferem bastante em termos de estrutura e tamanho. Por essa razão, a sistematização das informações desses documentos envolveu um método misto, com identificação da estrutura dos documentos e excertos que exemplificam os tipos de conteúdo. Essa análise assumiu um formato de relatório, e sua metodologia e resultados podem ser encontrados aqui. Todos os documentos recebidos via Requerimentos de Informação foram disponibilizados na Plataforma após a devida anonimização.

A Plataforma desenvolvida pela FPSM disponibiliza um conjunto de arquivos estruturados da seguinte forma:

  1. Arquivo com Listagem das Comunidades Terapêuticas, conforme disponibilizado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), e identificação sobre a existência de Contrato, Termo de Fomento/Colaboração e Projeto Terapêutico associados à Comunidade Terapêutica;
  2. Pasta Documentos, contendo os documentos recebidos:
    1. relativos aos projetos terapêuticos das instituições e arquivo com relatório contendo metodologia de análise desses arquivos;
    2. relativos aos instrumentos de gestão, subdivididos em (i) contratos, (ii) convênios e (iii) termos de fomento/colaboração; nessa pasta, também encontram-se planilhas com a listagem dos documentos relativas a cada instrumento de gestão e principais atributos identificados – quando identificados;
  3. Pasta Repositório de pesquisas, onde podem ser encontrados estudos enviados à Plataforma por pesquisadores acerca do tema.

Pesquisadores poderão enviar suas contribuições para a Plataforma. A partir de preenchimento de um formulário, as submissões serão avaliadas pela Secretaria Executiva e organizações do Conselho Consultivo da Frente segundo critérios científicos e metodológicos. Estando aptas, as contribuições serão incluídas no Repositório de Pesquisas.

As CTs são instituições de natureza privada, em grande parte religiosas, que se estruturam como residências coletivas temporárias para recuperação de pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas. Os indivíduos que buscam tratamento nas CTs devem ingressar voluntariamente e, também de forma voluntária, permanecer por longos períodos (de nove a doze meses, em média) no equipamento, junto a seus pares, isto é, pessoas que também estão em processo de recuperação, e sob a vigilância de monitores, que, em geral, são pessoas que já passaram pelo mesmo tipo de tratamento (IPEA, 2018).

Um requisito para que as instituições recebam financiamento do Governo Federal, é a elaboração de um Projeto Terapêutico para cada interno das CTs. Esses instrumentos devem trazer um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas que, por sua vez, são produto da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar. Um de seus objetivos principais é aprofundar as possibilidades de intervenção sobre os casos acolhidos.

O financiamento de vagas em CTs é realizado com recursos públicos municipais, estaduais e federais. De acordo com estudo realizado pela Conectas Direitos Humanos e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), entre 2017 e 2020, o investimento federal em Comunidades Terapêuticas alcançou R$300 milhões, atingindo o montante de R$560 milhões quando considerados os valores repassados por governos e prefeituras de capitais. Além disso, as CTs também passaram a receber imunidade tributária a partir da Lei Complementar nº 187/2021, que regula a Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS) atuantes nas áreas da educação, da saúde e da assistência social.

Segundo informações do Governo brasileiro, as Comunidades Terapêuticas não integram o Sistema Único de Saúde (SUS) e tampouco o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). As entidades são caracterizadas como equipamentos da rede suplementar de atenção, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas, integrando o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), por força do Decreto nº 9.761/2019 e da Lei nº 13.840/2019. 

Segundo a pesquisa mais abrangente e com o retrato mais atual do perfil dessas entidades, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2017 havia cerca de 2 mil CTs operando em todo o território brasileiro, sendo a maioria da região Sudeste (46%) e instaladas em zonas rurais (74,3%). As CTs foram introduzidas no Brasil no final dos anos 1960, mas 79% delas foram fundadas entre 1996 e 2015. 

Ainda segundo pesquisa do IPEA, cerca de 82% das instituições pesquisadas declararam ter orientação religiosa, sendo quase metade (47%) do número de CTs evangélicas ou protestantes e 27% católicas. Mesmo as CTs sem orientação religiosa também declararam desenvolver trabalhos espirituais, sendo 95% do total de CTs (IPEA, 2017 e 2018). 

Aqui, cabe ressaltar que aproximadamente oito anos após o levantamento do IPEA, não há estatísticas precisas e mais atualizadas sobre o quantitativo e o perfil das CTs no Brasil, sendo uma lacuna de pesquisa relevante para a compreensão do fortalecimento das CTs no país. Há ainda o fator complicador que é a existência de um grande número de instituições que se intitulam como CTs, mas que não são regulamentadas, passando ao largo de qualquer possibilidade de identificação.

Do ponto de vista sanitário, os serviços de saúde e de interesse à saúde são fiscalizados pelas Vigilâncias Sanitárias locais (municipais ou estaduais, a depender da pactuação locorregional), com base em normas sanitárias federais e locais sobre o tema. Assim, toda Comunidade Terapêutica deve possuir Alvará Sanitário. Na fiscalização sanitária são avaliados aspectos de infraestrutura, documentação, recursos humanos e processos de trabalho. Em caso de irregularidades, diversas sanções podem ser aplicadas, a depender da gravidade ou da reincidência da infração sanitária; variando desde uma advertência, multa, apreensão e inutilização de produtos, até a interdição do estabelecimento.

Além disso, outros órgãos ou entidades podem realizar fiscalizações, motivadas geralmente por denúncias de situações que estejam dentro do âmbito das competências de cada uma delas. Assim, por exemplo, Conselhos profissionais podem fiscalizar questões ligadas ao exercício profissional, o Ministério Público do Trabalho pode realizar fiscalizações relativas a questões trabalhistas, etc.

Nessa direção, como forma de aprimorar os canais de denúncia e fiscalização, a FPSM apresentou, em 2023, um Projeto de Lei que altera a atual Lei de Drogas para que o Disque Denúncia de Violação de Direitos Humanos (Disque 100) passe a receber notificações também relacionadas às Comunidades Terapêuticas. Saiba mais aqui!

A partir da identificação da estrutura dos documentos, os instrumentos de gestão foram categorizados em contratos, termos de fomento/colaboração e convênios. A seguir, é possível conferir de quantos documentos foi possível extrair informações sobre CNPJ, número de vagas e valores, quando aplicável.

Tabela 1 – Descrição dos documentos segundo categorias e principais informações identificadas

Instrumento de gestãoN° de documentosCNPJ identificadosQuantidade de VagasValores do contrato/termo
Contrato5435415.509aR$1.172,23/mês por vaga para adultos homens e mulheres
R$1.527,37/mês por vaga para mãe nutriz acompanhada do lactente
Termos de Fomento / Colaboração628628NAValor mínimob: R$98.144,20
Valor médiob: R$226.823,33
Valor máximob: R$19.520.000,00
Convênio10989NA– 
Notas: a) Do total de vagas (5.509), 89% são de contratos formalizados em 2021 (4.924) e 7% em 2022 (406); b) estatísticas descritivas dos valores observados nos termos de fomento/colaboração (apenas dos documentos.

Foram recebidos 335 Projetos Terapêuticos, dos quais, após a exclusão de duplicados, resultaram 289 documentos. Não tivemos acesso a nenhum Projeto Terapêutico relativo a 2018 e faltam alguns Projetos Terapêuticos no intervalo correspondente aos documentos recebidos. Dos 289 arquivos, não foi possível extrair informações de apenas um. A maior parte dos documentos possuem entre 2 a 4 mil palavras, mas o tamanho chega a variar entre 282 e 15 mil palavras.

Tabela 2 – Estatísticas Descritivas dos Projetos Terapêuticos

Contagem de Documentos289
Média de Palavras2.644
Mediana2.372
Desvio-padrão1.732
Mínimo de Palavras282
Máximo de Palavras15.012

De modo geral, os projetos terapêuticos estão estruturados em seções que informam sobre:

  1. Equipe de Atendimento e Estrutura Física;
  2. Estrutura do Programa;
  3. Atividades diárias; e
  4. Regras

A seguir, é possível conferir o número de projetos que fazem menção a determinadas categorias profissionais na seção sobre equipe de atendimento. Por exemplo, 36% dos Projetos Terapêuticos referem ter algum profissional ou serviço de assistência social.

Tabela 4: Principais profissionais/perfis de colaboradores mencionados

CategoriaLista de palavrasN° de Projetos%
Medicina‘medico’, ‘medica’, ‘médico’,’médica’, ‘medicos’, ‘medicas’, ‘médicos’, ‘médicas’24685,12%
MonitoriaMonitor’, ‘monitora’, ‘monitores’, ‘monitoras’, ‘monitoria’22076,12%
Psicologiapsicologo’, ‘psicólogo’, ‘psicologa’, ‘psicóloga’,’psicologos’, ‘psicólogos’, ‘psicologas’, ‘psicólogas’, ‘terapeuta’, ‘terapeutas’, ‘terapia’20771,63%
Assistência Social‘assistente social’, ‘Assistente Social’, ‘Assistênte Social’, ‘Assistência Social’, ‘Assistencia Social’, ‘assistênte social’, ‘assistência social’, ‘assistencia social’10536,33%
Enfermagemenfermeiro’, ‘enfermeira’, ‘enfermeiros’, ‘enfermeiras’, ‘enfermaria’9532,87%
Educação / Pedagogiaeducador’, ‘educadora’, ‘psicopedagogo’, ‘psicopedagoga’5117,65%
Nutriçãonutricionista’, ‘nutrição’, ‘nutricional’4415,22%
Estágioestagiário’, ‘estagiária’, ‘estagiario’, ‘estagiaria’3712,80%

As instituições precisam apresentar as atividades recreativas, de formação, entre outras, de acordo com os editais. Porém, nem todas documentam todos os tipos de atividades requeridas. Algumas categorias em que se encaixam as atividades foram identificadas e podem ser observadas na Tabela 5. Por exemplo, 95,5% das CTs apresentam alguma atividade relacionada à espiritualidade.

Tabela 5: Categorias de atividades

CategoriaLista de palavrasN° de Projetos (N° total de 289)%
Espiritualidade‘espiritualidade’, ‘religião’, ‘religiao’, ‘espiritual’, ‘deus’, ‘jesus’27695,50%
Arte e música‘arteterapia’, ‘musicoterapia’, ‘arte’, ‘musica’, ‘artesanato’17560,55%
Reinserção Social‘Reinserção’, ‘reinsercao’, ‘reinserço’, ‘reinssercao’, ‘reinsserção’, ‘reinsercão’, ‘reinssercão’, ‘socializacao’, ‘socialização’, ‘socializacão’17961,89%
Passeios‘passeio’, ‘passeios’, ‘saída’, ‘saidas’16155,71%
Cursos‘curso’, ‘profissionalizante’, ‘senac’, ‘emater’, ‘oficina’15955,02%
Laborterapia‘laborterapia’10937.72%