
No Dia Internacional da Juventude, 12 de agosto de 2025, a Câmara dos Deputados sediou um grande encontro para discutir os desafios e perspectivas da saúde mental juvenil no Brasil. Organizado pela Frente Parlamentar da Saúde Mental, pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e pela Secretaria da Primeira Infância, Adolescência e Juventude, o evento reuniu parlamentares, lideranças jovens, especialistas, organizações da sociedade civil e pesquisadores, combinando mesas de debate, lançamento de publicações e atividades culturais.
A programação foi aberta com a mesa-redonda “A Política Nacional da Juventude em Diálogo com o Parlamento”. O deputado José Ailton (PT/CE), secretário da Primeira Infância, Adolescência e Juventude da Câmara, destacou “a urgência de discutir a saúde mental dos jovens diante das rápidas transformações e pressões sociais”. A co-mediadora, Ana Beatriz Araújo Santa Cruz, representante do Comitê Jovem da Iniciativa Brasileira de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes (Juntô), apresentou dados preocupantes: “mais de 23% dos jovens brasileiros estão fora da escola e sem trabalho formal; apenas três em cada dez acreditam que terão mais oportunidades que seus pais; e um em cada três apresenta sintomas de ansiedade e depressão”. Ela questionou “quantos dos 85 projetos de lei sobre juventude em tramitação no Congresso contaram com a participação efetiva de jovens na sua elaboração”.
Marcelo Kimanati, Diretor do Departamento de Saúde Mental (Desmad) do Ministério da Saúde, lembrou que a política de saúde mental completou 25 anos e segue em constante transformação, defendendo uma abordagem que leve em conta a complexidade e o protagonismo juvenil. “É preciso considerar o contexto social, evitar a medicalização excessiva e não ignorar o impacto que o isolamento social da pandemia teve sobre a juventude”, afirmou.
O deputado Pedro Campos (PSB/PE), presidente da Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental, relacionou o vídeo recente do influenciador Felca ao debate sobre o uso abusivo das redes sociais por crianças e adolescentes. “Estamos vendo crescer a violência autoprovocada entre adolescentes, e o suicídio já é a terceira causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos”, alertou. Ele defendeu a discussão do PL 2628/2022, que trata da segurança de crianças e adolescentes no ambiente virtual, e sugeriu “um raio-x detalhado do orçamento da saúde mental no Brasil”.
Já o deputado Israel Batista (PSB/DF), conselheiro do Conselho Nacional de Educação, expressou preocupação com “o excesso de telas e seus impactos negativos”. Mencionou que a proibição do uso de celulares nas escolas funciona como “um freio de arrumação” para abrir o debate e anunciou a elaboração de diretrizes operacionais e curriculares sobre educação digital e midiática, além de orientações para o uso da inteligência artificial na educação.
Juliana Fleury, representante do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE), defendeu a integração entre saúde mental e sistema de saúde, lamentou a baixa presença do Brasil em fóruns internacionais e reforçou a importância de políticas de promoção, prevenção e tratamento que considerem os determinantes sociais do adoecimento. “Não podemos ignorar a precariedade do nível de alfabetização dos jovens”, ressaltou.
O evento seguiu com uma apresentação cultural do grupo de batalha de MC’s “Guerra do Flow”, de Planaltina (DF), e com o lançamento de publicações da Stanford Social Innovation Review. Um especial: Saúde Mental de Crianças e Adolescentes em Comunidades Escolares e a sistematização das discussões do 6º Fórum de Políticas Públicas de Saúde na Infância, da Fundação José Luiz Setúbal. Márcia Kalvon Woods, diretora executiva do Infinis, apresentou as publicações. “As publicações sistematizam as discussões sobre a importância da Política Nacional de Atenção Psicossocial em Comunidades Escolares, seus desafios para regulamentação e os desafios encontrados na comunidade escolar para que seja um espaço de proteção. Elas também trazem informações sobre a prevalência de problemas de saúde mental na faixa etária, políticas, evidências científicas e experiências positivas de programas em curso” destacou.
O segundo painel: “A Saúde Mental das Juventudes em Perspectiva” reuniu lideranças jovens que atuam diretamente com saúde mental em diferentes territórios. A deputada federal Tábata Amaral (PSB/SP) compartilhou sua vivência pessoal com o preconceito sofrido por seu pai e defendeu a implementação da lei que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares. “Precisamos cuidar também de quem cuida e criar espaços seguros nas plataformas digitais, combatendo a exploração infantil e a monetização de vídeos com crianças”, disse, alertando para as dificuldades de avançar na regulação das plataformas diante do lobby das empresas.
O diretor de engajamento juvenil da Fundação Stavros Niarchos (SNF) e representando o Instituto da Mente da Criança (Child Mind Institute), Eduardo Vasconcelos apresentou dados de uma revisão sistemática da literatura científica brasileira sobre saúde mental de crianças e adolescentes, mostrando crescimento expressivo desde 2010, impulsionado por investimentos públicos. Destacou a pesquisa Pense, segundo a qual 40% dos estudantes relatam situações de bullying, falta de segurança no trajeto ou na escola, ou envolvimento em brigas físicas. “A produção científica ainda carece da participação ativa dos jovens”, afirmou, propondo ampliar pesquisas e avaliação de intervenções, eleger as escolas como foco de prevenção, treinar profissionais e integrar cuidado humano e evidências científicas.
Mariana Alves Brito, estudante de psicologia na Universidade de Brasília e formadora do projeto “Saúde nas Quebradas”, apresentou sua iniciativa que utiliza a cultura hip-hop para disseminar informações sobre saúde e combater a desinformação, estruturada em quatro eixos: “Corrida Juventude por Saúde”, “Juventude e seus modos de reexistir e produzir vidas”, “Luta pelo direito à saúde” e “Comer é um ato político”. Inspirada em sua própria trajetória como ex-adolescente envolvida com o tráfico de drogas, ela defendeu que “é fundamental criar oportunidades para que jovens possam escolher outros caminhos”.
A psicóloga Ludmila, do projeto “Jovem de Expressão”, descreveu as ações desenvolvidas em Ceilândia (DF) para prevenir o uso prejudicial de álcool e outras drogas e a violência, como oficinas culturais, cursinhos preparatórios, editais de incentivo à juventude e uma galeria de arte. Destacou a importância do plantão psicológico como atendimento emergencial aliado ao acompanhamento contínuo e citou o “Fala Jovem”, espaço de acolhimento e terapia comunitária.
Efigênia Matos de Oliveira, do Instituto Cactus, questionou o conceito de saúde mental, relacionando-o a direitos básicos como educação, lazer, segurança, alimentação, transporte, trabalho, saúde e vida digna. “Saúde mental é uma questão biopsicossocial e coletiva”, disse, apontando três pontos centrais: ver e escutar os jovens; compreender que saúde mental envolve todos os direitos básicos; e reconhecer as múltiplas vidas que demandam dignidade e respeito.
Daniel Nacismento, do Juntô, reforçou a importância da participação juvenil na construção e fiscalização das políticas públicas. “É preciso garantir meios para que essa participação seja funcional e diversa”, afirmou, ampliando o debate para além de diagnósticos e medicamentos, de forma a incluir o contexto social e territorial. Defendeu o fortalecimento dos serviços de saúde, a articulação intersetorial e a inclusão de todos os corpos, com atenção especial aos mais marginalizados, como a população trans.
Ao final, o evento reafirmou que o cuidado com a saúde mental das juventudes exige políticas intersetoriais, participação ativa dos jovens, financiamento adequado e o reconhecimento de que garantir saúde mental é também garantir um futuro digno para o país.