Além de transtornos mentais, questões sociais e econômicas são fatores de riscos que devem ser considerados na análise sobre a ocorrência de suicídios. A manutenção e fortalecimento de políticas de acolhimento durante o ano todo é fundamental para a prevenção.
A construção de estratégias para prevenção do suicídio deve ser permanente. porque os fatores de risco têm agravado os registros de suicídio no Brasil. Segundo um estudo realizado pela Fiocruz em parceria com a Universidade de Harvard, entre 2011 e 2022, as notificações aumentaram, anualmente, 3,7% no país. Isso quer dizer que a ampliação dos casos é estável.
Mas a gravidade do quadro brasileiro é ressaltada quando a pesquisa compara o cenário global, em que é observado uma tendência de queda. No período compreendido entre 2000 e 2019, os registros de suicídio no mundo caíram 36%. Em contrapartida, no Brasil, houve um acréscimo de 43%. A realidade brasileira é compartilhada com o continente americano, que apresentou um aumento de 17% dos registros de suicídio no mesmo período.
Ao contrário do que preconiza o senso comum, o suicídio não é provocado somente por transtornos mentais graves, ele também é resultado de fatores como a desigualdade social, das crises econômicas e da discriminação. Dessa forma, é tão importante fortalecer as estratégias de acolhimento em saúde na Atenção Básica — ou seja, no postinho perto de casa. Porque é nessa etapa que as pessoas podem receber o melhor encaminhamento para seus quadros — motivados por transtornos mentais ou não.
De acordo com Daiana Machado, uma das pesquisadoras que participaram da pesquisa da Fiocruz, em países de alta renda é observado uma taxa entre 80% a 98% dos suicídios relacionados a transtornos mentais. Já em países de baixa e média renda, como o Brasil, essa correlação cai para 58%. Questões como emprego e renda, discriminação, exposição à violência e ausência de uma rede de apoio influenciam muito na decisão de quem opta por tirar a própria vida. Ou seja, como afirma a pesquisadora: “o suicídio é um fenômeno multicausal”.
Sul é a região com mais suicídios
O estudo da Fiocruz observou que as cidades brasileiras com menor média de rendimento apresentaram o maior número de notificações de suicídio. O mesmo foi identificado entre as regiões com uma menor presença de políticas de amparo social. A região Sul é onde houve o maior número de registros de suicídios no país em 2022, foram 11,53 casos por 100 mil habitantes — quase o dobro do observado na região Nordeste, onde as políticas assistenciais têm maior impacto sócio-econômico.
Há quatro vezes mais suicídios entre homens
Em números absolutos, os homens são maioria nos registros de suicídio, segundo a pesquisa. Em 2022, as mortes provocadas por suicídio foram quase quatro vezes mais frequentes entre eles do que entre as mulheres. Foram registrados 11,68 casos por 100 mil habitantes entre eles, enquanto elas tiveram 3,06 casos por 100 mil habitantes.
A cartilha “Suicídio: Informando para Prevenir”, da Associação Brasileira de Psiquiatria, relaciona essa prevalência aos papéis de gênero. Os homens são costumeiramente socializados de forma a negar suas fragilidades emocionais e tendem a se isolar. Com a ausência de uma rede de apoio e com as autocobranças, muitas vezes relacionadas a fatores econômicos e de status social, eles acabam cedendo mais ao impulso suicida.
Indígenas têm o maior crescimento na taxa de suicídio
Por outro lado, a pesquisa da Fiocruz identificou que, em termos proporcionais, os registros de suicídio e automutilação aumentaram mais entre indígenas. A hipótese do estudo é que essa população tem menos acesso aos serviços de Saúde, o que comprometeria o acolhimento, assim como o socorro às pessoas que se automutilaram.
Outros fatores, no entanto, podem ser associados a esse quadro, como o aumento das invasões de terras indígenas e a piora nas políticas de Assistência Social a essas comunidades. De acordo com o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, publicado no ano passado pelo Conselho Indigenista Missionário, foi observado um aumento de 252% das invasões de terras indígenas entre 2019 e 2022, se comparado aos quatro anos anteriores. Nesse período, os indígenas também viram crescer os casos de homicídio, ameaça de morte e violência sexual praticados contra eles.
Além dos povos indígenas, outros grupos minorizados também se destacam nas notificações de mortes provocadas por suicídio, como os jovens negros e a população LGBT+. Segundo a Agenda Mais SUS, desenvolvida pelo Instituto de Estudos sobre Políticas de Saúde (IEPS), jovens negros têm 45% mais chances de morrer por suicídio do que jovens brancos. Já pessoas LGBT+ têm de três a seis vezes mais chances de atentar contra a própria vida do que heterossexuais.
A Saúde Mental deve estar na Atenção Básica
Dessa forma, é importante que sejam fortalecidas as estratégias de acolhimento em Saúde. Nos postos de saúde e nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF), Consultórios de Rua e Centros de Convivência e Cultura (CECOs) a abordagem pode ser mais abrangente, ampliando a perspectiva do cuidado para análise de fatores sociais e econômicos, sem prejuízo ao atendimento aos transtornos mentais.
Também é necessário que o acolhimento esteja presente em locais como as escolas e o ambiente de trabalho. É preciso garantir que esses lugares ofereçam segurança e que eles incentivem o potencial das pessoas, em vez de esgotá-las. É tão importante combater o bullying nas escolas, quanto o assédio moral nas empresas ou assegurar que as famílias tenham condições de criar ambientes equilibrados emocionalmente.
Por isso, a Frente Parlamentar Mista pela Promoção da Saúde Mental (FPSM) batalhou pela aprovação da Lei 14819/2024, que determina a instituição de estrutura psicossocial nas escolas, e atualmente defende:
- a aprovação o PL 3033/2024 que determina a garantia de atendimento rápido a pessoas que cometeram autoagressão e para familiares de pessoas que se suicidaram na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS);
- a aprovação do PL 1773/2022, que institui a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes (PNCSCA);
- a qualificação e aprovação do PL 5231/2020, que proíbe a ação de agente de Segurança Pública ou profissional de segurança privada motivada por racismo;
- a implementação da Lei 14.531/2023, que diz respeito à estrutura de assistência social, promoção da saúde mental e prevenção do suicídio de profissionais da Segurança Pública;
- a aprovação do PL 5705/2016, que fala sobre o cuidado com a saúde mental dos menores infratores submetidos ao regime de internação;
- a aprovação dos PL 4724/2023 (Câmara) e PL 4748/2023 (Senado), que instituem políticas públicas de acolhimento psicossocial e prevenção ao suicídio para profissionais da Saúde;
- a qualificação e a aprovação do PL 1464/2022, que cria a Política Nacional de Atenção Integral à Síndrome de Esgotamento Profissional (SEP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).